domingo, 18 de abril de 2010

"Memórias do subdesenvolvimento" por Rinaldo da Silva Pereira Junior


Minhas lembranças da importância de “Memórias do subdesenvolvimento” para a história do cinema estavam associadas a idéias como: filme político, radiografia da America Latina, diatribe radical contra a exploração e o subdesenvolvimento dos países do terceiro mundo e um cartaz que vi uma vez em uma revista de assuntos políticos que me passava a idéia de algo extremamente sério e engajado com alguma coisa de arte política e engajada também (não lembro bem os detalhes do cartaz, mas era essa a impressão que ele me passava) , tudo isso criou em mim uma aura mitológica com respeito ao filme, além do fato de não telo ainda assistindo, nem em exibições nos cinemas alternativos locais nem na comodidade de seu sofá proporcionado pela benesse moderna do DVD player caseiro. No entanto, assistir a “Memorias del subdesarrollo” hoje, com o distanciamento que só o tempo permite e mais importante o distanciamento histórico que nos exime de posicionamentos obrigatórios e extremos (é exatamente disso que o filme trata), acabou por me proporcionar uma experiência extremamente diferente da expectativa. Vi um ótimo, excelente e importantíssimo filme, mas não um que trata estritamente de problemas políticos, mas um que discute a solidão de um homem que não quer tomar partido, embora tenha uma visão política ampla das coisas, um homem comum que prefere pensar em coisas mais perenes como arte, cultura que independem de estações políticas, e instabilidades históricas. Um homem comum que como qualquer outro homem comum busca o ideal feminino, busca encontrar o modelo ideal de mulher. É um filme sobre buscas individuais mais do que conflitos coletivos.

E onde fica no filme o tal debate sobre a América Latina? Sergio, protagonista principal do filme, parece ser, o filme não explicita, cubano nativo, habanero conhecedor dos seus arredores, mas, como ele mesmo a certa altura afirma ‘’Sempre tratei de viver como um europeu’’. A cuba e por extensão a America Latina de “Memorias del subdesarrollo” é um continente visto e pensado através de olhos eurocêntricos-nativos, criando o neologismo.

Sergio com toda sua cultura europeizada, cultura cultivada, de treinamento cultural, contrasta tanto com o subdesenvolvimento que ele encontra ao seu redor a cada minuto, e que nas suas memórias tanto pode estar associado a alguma “chica” com quem se envolveu quanto com eventos maiores de seu país, quanto com as imposições de um regime recém instaurado e com qual ele aparentemente não opõe nenhuma resistência, mas que na serenidade intelectual de quem sabe que as coisas vão e voltam prefere esperar para ver o que acontecerá.

“Memorias del subdesarrollo” é inventivamente narrado com base nas memórias de Sergio. Todo o filme nada mais é que memórias suas, que ele aparentemente tenta passar ao papel quando seus pais e sua ex-esposa deixam o país logo depois do golpe castrista para Miami, paraíso do que é moderno e chique para a burguesia cubana da época. Com uma câmera documental e analítica, às vezes até intromissora, imagens de época, de arquivo, fotos e newsreels e até registros falados de Fidel Castro e Kennedy , Alea constrói o labirinto narrativo e afetivo de “Memorias del subdesarrollo”, através de uma narração fragmentada que tenta reproduzir a maneira como nossa memória funciona.

O subdesenvolvimento de sua ilha natal e da America Latina por tabela é descrito por Sergio de varias maneiras, às vezes de modo até contundente: o povo cubano não consegue relacionar as coisas, isso é o maior sinal de seu subdesenvolvimento, o ambiente é muito brando, o cubano gasta toda sua energia em tentar adaptar-se ao momento, as pessoas não são consistentes. Além disso, elas precisam de alguém que pense por elas. No subdesenvolvimento nada tem continuidade, tudo é esquecido, as pessoas não são conseqüentes. ‘’Nos trópicos tudo se decompõe mais rápido’’. A própria transitoriedade das relações sociais sobre determinados regimes é comentada: Quando é obrigado a comparecer à delegacia por causa de sua relação equivocada com Elena, ele afirma algo como ‘’Eu sou um burguês, eles são o povo. Todos me vêm como um burguês que explora de alguma forma o povo’’.

Mas a dimensão que Gutierrez Alea foca e enfatiza é o humano. Um homem comum tendo de posicionar-se entre ideologias antagônicas e da qual não quer tomar partido, mas simplesmente observar o que a história tem a ensinar. Sergio está só em seu próprio país, ele é estrangeiro e exilado. Ele não consome e não precisa de produtos americanos assim como não critica o socialismo do novo governo. ‘’Mantenho a lucidez, uma lucidez desagradável, um vazio’’. Quando era criança estudando com padres, aprende não somente as delicias do sexo por um padre livre-pensador, mas também ‘Conheci pela primeira vez a relação entre justiça e poder’’. Depois de um debate promovido pelo governo revolucionário Sergio filosofa sobre ‘’a inutilidade das palavras’’.

Creio que de todos seus pensamentos o que melhor resume sua visão de mundo e a complexidade da vida e das relações entre as pessoas, sejam suas palavras quando deixa a delegacia já livre: ‘’ vi demais para ser inocente, e eles (o povo) tem obscuridade demais na cabeça para serem culpados’’.

Nenhum comentário:

Postar um comentário