domingo, 18 de abril de 2010

"Terra em Transe" por Marina Paula


No calor de seu tempo, Glauber Rocha foi uma das vozes decisivas a incitar um levante revolucionário no que dizia respeito às produções cinematográficas brasileiras. É sobre técnicas de total rompimento com a estética e narrativa clássicas - importadas do cinema americano - e o engajamento político-social característicos do Cinema Novo, que o cineasta firma a sua filmografia. Terra em Transe (1967), seu terceiro longa-metragem, é um registro caótico e alegórico de uma América Latina pré-regimes ditatoriais.

Para tanto, criou-se Eldorado, país dos trópicos que, se não existia, serviu como uma perfeita caricatura do momento político pelo qual passava o Brasil no início dos anos 1960. Eldorado vive uma crise política, ideológica e social. O povo sobrevive à miséria, característica inata à sua condição terceiro-mundista; os políticos aliam-se ao que podem para chegar ao poder; a burguesia apóia quem lhes for favorável e os intelectuais perdem-se entre o fervor de suas crenças e a certeza do caos. Paulo Martins (Jardel Filho) é um poeta e jornalista contrário ao atual governo do país. Ao romper os laços com o autoritário senador Porfírio Diaz (Paulo Autran), ele migra para a província de Alecrim onde, ao lado da ativista Sara (Glauce Rocha), trabalha a candidatura de Felipe Vieira (José Lewgoy), político populista que se une ao povo e promete a salvação do país.

Toda a tensão de Eldorado é refletida áudio e imageticamente durante o filme. Em Terra em Transe, o movimento é constante, o som, a confusão de sons é precisa. A câmera quase não para, e quando para, é porque decidiu nos chamar atenção para um primeiro plano, um close-up, é para nos aproximar das feições ou dos sentimentos do personagem. Com este artifício, Glauber Rocha dinamiza a relação do espectador com o filme. Estamos de fora, mas nossa vista está por dentro dos acontecimentos, caminhando por entre os personagens, movimentando-se com eles, com os seus olhares nos questionando e acusando todo o tempo.

Também a narrativa não-linear tenciona, confunde e movimenta o filme. É mais um elemento responsável por embriagar o público, que o faz mergulhar de vez no transe vertiginoso daquele país à beira do abismo.

Terra em Transe consolidou-se, então, como o trabalho mais ousado de Glauber Rocha até o momento, tanto estética quanto tematicamente, sendo o primeiro filme que se prestava a analisar, passo a passo, o início da repressão e as consequências calamitosas das decisões tomadas, que, independente da fé do povo na igreja ou no estado, levariam o país a um fim “apocalíptico”.

Por seu caráter delator, o filme sofreu fortes pressões da censura, só estreando no Brasil após ter sido premiado em Cannes, para onde foi levado clandestinamente para ser exibido. Reverenciado por figuras influentes como Martin Scorsese, que se recentemente mobilizou-se em divulgar a obra do diretor baiano, o filme é hoje tido como um marco no cinema moderno.

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