domingo, 18 de abril de 2010

"O Anjo Exterminador" por Ariana Gondim


Nos quinze minutos iniciais de O Anjo Exterminador mal vemos a mão de Buñuel tal como ele ficou conhecido em O Cão Andaluz. Sem olhos cortados ou formigas passeando por onde não devem. O filme parece mais saído de um daqueles containeres hollywoodianos de onde milhares de filmes são fabricados para o mundo. Claro que conseguimos distinguir a obra mexicana, não apenas pela língua falada pelos personagens, mas também, pela péssima qualidade que o som é captado. Pode ser que nossos ouvidos foram culturalmente colonizados a ouvir o inglês, em matéria de cinema, mas, se não fosse a legenda do meu exemplar deste filme eu não teria feito muito progresso entendendo os diálogos sozinha.

Em termos de conteúdo, a história surpreende. Eleito pelo The New York Times como um dos 1000 melhores filmes do mundo, O Anjo Exterminador retrata um jantar de um grupo de grã-finos que se reúnem após uma ópera. Depois dos convidados chegarem ao palacete do casal Leandro e Luzia Nobile, estranhamente os criados, que sempre estiveram satisfeitos com o emprego, partem, deixando o mordomo, Júlio, sozinho para dar conta da festa. As horas passam e todos festejam até que quando percebem já são quatro horas da manhã e estranhamente todos decidem dormir ali mesmo na sala, mesmo os anfitriões tendo oferecidos aposentos para os convidados. Ao amanhecer a festa continua. Júlio traz o desjejum e sai para buscar uma colher de açúcar. Não consegue. A partir deste momento percebemos os dedos do surrealismo. Todos estão presos na sala por uma barreira imaginária.

Uma prisão da burguesia. Engraçado ver as relações pessoais se deteriorarem e a etiqueta ir se transformando em sobrevivência, instinto. Inicialmente cercados de máscaras, convenções, vemos a realidade em momentos que chegam a constranger, mas que em meio à estranheza da situação parece mais que estamos acompanhando um desses Realities Shows, tão comuns, no canal mais próximo de você.

Segundo o autor, em sua biografia, o filme é sobre a vontade: o que faz alguém caminhar para alguma direção ou mover um braço, por exemplo? Os personagens querem passar pela porta, mas parecem que simplesmente se esqueceram como se faz para isto. Parecem galinhas presas sobre um círculo riscado por giz em torno delas. Aliás, o filme é uma grande análise do animal-humano, todos isolados em um laboratório numa situação limite que os faz manifestar os mais obscuros e selvagens instintos.

Não bastasse a situação ímpar, Buñuel ainda trabalhou os personagens, de modo que, apesar de pertencerem a mesma ‘classe social’ (tirando o mordomo, que é o único serviçal ‘socialmente aceito’, e por isso foi o único que não abandonou a casa), porém com realidades e manias (as vezes nem tão distintas), mas, que se divergem apenas pela convivência em demasia. E de maneira linear a narrativa de O Anjo Exterminador, dá um nó na sua cabeça. Um filme que parece ser leve, mas que cada cena contém uma complexidade e uma densidade... surreal.

Em suma, o filme brinca com que, o filósofo alemão Arthur Schopenhauer, defende:

“Todas as pessoas tomam os limites do seu próprio
campo de visão, pelos limites do mundo”

E, para não dar uma de spoiler, digamos que, uma das cenas finais transforma toda a situação da sala em uma “micro”, saímos da exibição imaginando como seria esse “macro” e também se realmente vamos conseguir abrir a porta e, o mais importante, passar por ela.

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