domingo, 18 de abril de 2010

"O padre e a moça" por Luciano Monteiro




Joaquim Pedro de Andrade bem que gostava de uma alegoria. Antes mesmo de filmar o clássico Macunaíma o cineasta enveredou por caminhos menos carnavalescos ao realizar O Padre e a Moça, baseado na obra de Carlos Drummond de Andrade. Aqui Joaquim Pedro cria uma pseudo-obra de influência européia. Sim, pseudo, pois o filme transpira latinidade nos tumultuados anos 60.

Paulo José, que viria a ser, mais tarde ícone tropicalista em Macunaíma, vive o Padre do título. Recém chegado a uma pequena cidade do interior de Minas Gerais para substituir o anterior pároco que acabara de morrer, o jovem vê-se envolvido no drama de Mariana, a moça interpretada por Helena Ignez, oprimida pelo pai adotivo que, segundo dizem na cidade, a abusa desde criança. A paixão entre os dois protagonistas é certa, porém, o que mais surpreende na obra é o desespero de Mariana em querer fugir do lugar e a incapacidade do Padre de tomar uma atitude.

Coberto de uma camada de formalismo e convencionalismo O Padre e a Moça aponta para uma direção nova para a época: a legitimação da cultura latina, brasileira, que até então oprimida pela cultura européia. Joaquim Pedro, busca, no formalismo europeu, subterfúgio para explorar o confuso papel do colonizador, o Padre, representante da cultura européia, jovem e cumpridor de suas ordens, frente ao misticismo e a sensualidade da pequena colônia, representada em especial pela jovem oprimida, aparentemente indefesa e alienada quanto a sua situação e ao mundo ao seu redor. Mariana, no entanto, seguindo a nova abordagem da mulher latina no cinema da época, não é totalmente inerte e sem iniciativa. Incita o jovem Padre a ajudá-la a fugir, apelando justamente para aquilo que o brasileiro latino possui de arma para combater o colonizador europeu: sua paixão pela vida envolta a doses certas de sensualidade e misticismo.

O filme é o prenuncio das revoluções tão em voga nos anos 60 e tão presentes nos dias de hoje, quando se fala, especialmente na identidade dos povos antes oprimidos pelo imperialismo secular europeu. O processo de descolonização ocorrido após a Segunda Grande Guerra deu ao terceiro mundo a oportunidade de jogar de volta nos rostos dos colonizadores de outrora toda a cultura antes imposta, desta vez, porém, com toques, temperos e sutilezas próprias de quem sofreu por séculos tal colonização. Prenunciada por filmes como Narciso Negro, de Michael Powell e Emeric Pressburger, que apesar de inglês, retrata neste filme um grupo de freiras missionárias no Himalaia que são literalmente enlouquecidas e deglutidas pela cultura local, também mística e sexuada, tal resposta dos agora chamados países emergentes continua atual e o Padre e Moça, assim como o filme de Powell e Pressburger, aponta para uma solução de menos impacto estético do que os filmes de Glauber Rocha.

Com seus contrastes quase noir, e de um tom negro profundo nas sombras, seus enquadramentos milimetricamente calculados e atuações de perder o fôlego, o Padre e a Moça bem que deveria ser um filme mais comentado, lembrado, revisitado. Alegórico, sim, porém preciso e comedido que nos serve de possível exemplo a ser estudado e quem sabe a seguido como fazem os argentinos e uruguaios. O Padre e a Moça é uma obra singular que nos aproxima como latino-americanos que somos.

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