domingo, 18 de abril de 2010

"Terra em transe e o Cinema novo no Brasil e na América Latina" por Renata Rodrigues Alves Monteiro


Glauber Rocha foi o roteirista e diretor de Terra em transe, ele foi a figura chave do Cinema novo e seu filme um dos maiores representantes do movimento no Brasil. Terra em transe foi produzido em 1966 e estreou em 1967, inserido no período da ditadura militar no país, esse filme é uma síntese não só da situação nacional, mas de toda a problemática política na América Latina. O filme traduz os ideais desejados pelo Cinema novo, além de utilizar inovações estéticas, que busca filmar de uma forma diferente do estilo norte-americano importado, é um filme que aborda as questões políticas nas quais estavam inseridos os países latino-americanos, conceituando a arte engajada, e fazendo uma crítica social feroz à realidade desse contexto. Com a ditadura instalada no Brasil, e a nova Constituição do governo do general Artur da Costa e Silva, na qual determinava a censura prévia à imprensa e meios de comunicação, foi um filme de muita polêmica, já que tratava dos problemas sociais, políticos e econômicos de um país fictício que muito se assemelhava à situação nacional. Terra em transe é de certo modo a discussão das questões latino-americanas e a encarnação dos conceitos do Cinema novo.

Terra em transe nos apresenta a República fictícia de Eldorado (uma alusão ao ideal Ibérico da riqueza que representava a América Latina), onde vive o jornalista e poeta Paulo Martins (Jardel Filho). Envolvido com um político conservador, Porfírio Diaz (Paulo Autran), que se tornou senador, Paulo se afasta dele por não suportar a sua visão elitista e seu comportamento déspota, e segue caminho a cidade de Alecrim. Lá ele conhece Sara (Glauce Rocha), uma ativista que está ligada ao político Felipe Viera (José Lewgoy). Paulo e Sara iniciam um romance, e juntos eles apóiam o vereador Viera na candidatura a governador. Paulo acredita que Viera é um líder populista capaz de mudar a situação de Eldorado, de salvar o país do subdesenvolvimento. Eleito, Viera não confirma as expectativas de Paulo, cedendo e sendo controlado pelas forças econômicas locais que o apoiaram nas eleições. Paulo desiludido deixa Sara e a cidade de Alecrim, e retorna a capital de Eldorado. Nas noites, como o mesmo descreve: cede aos desejos da carne, que é o que lhe resta. Ele se aproxima do maior empresário do país, Julio Fuentes (Paulo Gracindo). Busca o apoio do empresário para impedir que Diaz, candidato à presidência com o apoio do atual presidente Fernandez, se torne presidente, alegando o apoio de uma empresa multinacional chamada Explint, que explora as terras de Eldorado, ao político, e que esse apoio possa acarretar no controle da maioria capital nacional pela empresa. Pois é a Explint que mantém Fernandez na presidência e que financiou a campanha de senador de Diaz. Fuentes sente seu império dentro de Eldorado ameaçado pela projeção do controle econômico por parte da Explint, e se compromete a salvar a economia do país das mãos da multinacional. Julio Fuentes entrega o seu jornal a Paulo, para ele atacar o candidato Diaz. O Jornalista se sente mal por ferir o homem que fez tudo por ele, mas amava a Sara e sabia que destruir Diaz era estar livre e voltar para ela e para as promessas de Viera. Depois dos pedidos de Sara e de seus companheiros,

Paulo e Viera se unem novamente, para a candidatura do político a presidência. Viera mantém sua política populista, como prega: “... A força é o povo!”; e tem apoio da Igreja. Mas Fuentes trai ambos aliando-se agora a Diaz e a Explint. Álvaro (Hugo Carvana), conta a traição para Paulo. Ele quer reagir, partir para a luta armada, mas Viera desiste, não quer ver o sangue do povo derramado. Paulo questiona a sua liderança. Uma sucessão de cenas segue, nas quais aparecem Diaz proferindo seus ideais conservadores, onde ele “colocará as histéricas tradições em ordem”, e a revolta de Paulo que sai do Palácio num carro com Sara e é alvejado por policiais culminando numa cena épica onde ele segue com sua a arma cambaleando pelas dunas e a apontando para o céu. É o fim, e não parece, Paulo morre, mas a luta continua.

Inserido nesse contexto onde a maioria dos países latino-americanos sofriam imposições de ditaduras, mas cada um a seu modo. Os países que mais se destacaram nessa época foram Brasil, Argentina e México, nações que não tiveram um período tão sangrento como em outros, o que influenciou esse destaque. Cada país com sua realidade, mas que se traduziu no mesmo desejo, surgindo de várias formas seja Cinema novo no Brasil, ou Libertação na Argentina, Independente no México, ICAI em Cuba, grupo ukamu na Bolívia, Terceiro mundo no Uruguai, Experimental e Novo Cine chileno, Novo na Venezuela e Documental na Colômbia, o mesmo desejo de denuncia da realidade do subdesenvolvimento, da permanência do colonialismo cultural e mais do que tudo da consolidação de um cinema original latino-americano, sem importação do norte-americano ou europeu. Sobre essa formação e seu combate Glauber escreveu: “nosso cinema é novo porque o homem latino-americano é novo, a problemática é nova e nossa luz é nova, por isso nossos filmes são diferentes. O cineasta do futuro deverá ser um artista comprometido com os grandes problemas de seu tempo. Queremos filmes de combate na hora do combate”. O filme retrata a realidade da América Latina desde os pequenos detalhes como nomes (de origem espanhola: Fuentes, Martins, etc), música (às vezes sinfônicas, outrora de característica indígena), caracterização dos personagens e ambientação, à questões sociais como populismo, conservadorismo, religião, empresas multinacionais, dinheiro, numa desconstrução muito pessimista do contexto no qual estava inserido o Brasil e os outros países. Para entender o filme tem que saber desse contexto, a fim de identificar a feroz critica social presente.

Dessa posição,podemos sublinhar a importância do filme para a história do cinema nacional e latino-americano, que é o seu caráter de denúncia, sem esquecer a originalidade estética (que possui influências da escola soviética de montagem) e o incrível tom poético da obra. Junto com Fernando Solanas, Tomás Gutiérrez-Alea e outros, Glauber Rocha ajudou na formação desse cinema latino-americano, e com engajamento caracteristico, suas realizações repercutem muito no que é realizado na atualidade. Com um reconhecimento internacional, recebeu prêmios nos Festivais de Cannes, Havana e Locarno, Terra em transe é um épico, um filme marcante, que expressa intensamente o espírito latino-americano da época, o espírito revolucionário.

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