sábado, 30 de abril de 2011

"Maria Candelária e a tradição latino-americana do melodrama", por Leandro Gantois


O filme mexicano “Maria Candelária” (1944) do cineasta Emilio Fernandez simboliza o auge da Era de Ouro do cinema no México, iniciado na década de 30. Com grande sucesso de público e crítica dentro e fora do país, inclusive tendo recebido o prêmio máximo no Festival de Cannes, a obra apresenta mais que um simples melodrama sobre uma heroína indígena pobre, mas certa tradição da cultura latino-americana em utilizar o melodrama como forma de representar seu passado e os problemas sociais enfrentados pelo povo.

Produzido dentro de um star-system, com atores de grande apelo popular como a Dolores Del Rio e o Pedro Armendáriz, “Maria Candelária” tenta criar uma nova imagem do povo mexicano, tantas vezes tratada com estereótipos na filmografia norte-americana. A personagem-título é quase uma recriação do modelo romântico do bom selvagem de Rousseau, simbolizando o próprio México em uma visão idealizada. A heroína ainda lembra a protagonista Hester Prynne do romance americano “A Letra Escarlate” (1850) de Nathaniel Hawthorne, ao ser julgada pelo puritanismo da cidade na qual vive.

A obra, dessa maneira, sintetiza a necessidade do México ser representado e ser visto através de um novo olhar. O melodrama assume então o ideal romântico e épico no imaginário popular. Como bem observa o teórico colombiano Jesús Martin-Barbero, “o melodrama tem um parentesco muito forte, estrutural, com a narração. Seguindo essas pistas (...) os esquematismos e os estereótipos tem por função permitir a relação da experiência com os arquétipos”. E a estrutura dramática do melodrama está presente em “Maria Candelária” através de quatro personagens identificados por Barbero: o Traidor, o Justiceiro, a Vítima e o Bobo.

Na visão de Barbero, existe um diálogo entre as massas e a indústria cultural: “o melodrama pode conter uma certa forma de dizer das tensões e dos conflitos sociais”, embora o teórico faça um alerta sobre a possibilidade de homogeneização do discurso. A saga de Maria Candelária e de Lorenzo Rafael é na verdade a própria representação imagética do México através de uma ótica épica e melodramática. O casal de protagonistas, inclusive, pode recordar aos espectadores do século XXI, personagens de telenovelas mexicanas exportadas com sucesso para o Brasil na década de 90. Embora tais produções estejam mais próximas do exagero e do frívolo.

A própria tradição e sucesso do folhetim na América Latina dialogam com a índia Maria Candelária. No Brasil, por exemplo, a forte produção em ritmo industrial de novelas, por vezes, tentou representar o povo brasileiro na televisão. Obras como “Roque Santeiro” (1985) e “Vale Tudo” (1988) construíram personagens representativos e com grande apelo cultural. As duas telenovelas acabaram se transformando em símbolos massivos brasileiros do período da redemocratização do país na década de 80. Como Barbero, novamente observa, o melodrama é o momento poético dos excluídos.

“Maria Candelária” mais do que construir um melodrama, representa e exporta um novo olhar sobre o México, alcançando e formando público em classes mais baixas por meio de sua estrutura dramática. E a condição periférica dos países da América Latina explica a fácil aceitação do gênero na população, como analisa a ensaísta e professora Marlyse Meyer: “com o tempo, esse universo romanesco (...) teria alcançado aquelas classes subalternas, as historicamente exploradas e sofridas massas da América Latina”. Para Meyer, a situação econômica latina é a resposta na tentativa de entender a tradição do melodrama.

“Não é de espantar portanto a fácil aclimatação nesses países, onde "a desgraça pouca é bobagem", de um gênero romanesco que, além de cativar pelas engenhosas tramas, tematizava subcondições de vida e exacerbadas relações pessoais e familiares, desenvolvia um paroxismo de situações e sentimentos mal canalizados por uma mensagem conservadora que se desejava conciliadora, mas não apagava totalmente seu valor de denúncia e cultivava uma forma de sobressalto narrativo a mimetizar o sobressalto vivido, amenizando-o pela magia da ficção”. ¹

“Maria Candelária” se torna, assim sendo, um bom exemplar da necessidade de um povo assistir suas próprias representações no cinema. Interpretar os problemas de sua sociedade e o contexto histórico no qual está inserido. Além de mostrar um sucesso na tentativa de consolidação de uma produção em ritmo industrial. A película mais do que apenas mostrar a jornada de uma heroína em um drama sem fim, é a oportunidade de toda uma sociedade com um histórico de limitações econômicas de se enxergar imageticamente.

Referências Bibliográficas:

¹ MEYER, Marlyse. Folhetim – uma história. Companhia das Letras, São Paulo, 1996
BARBERO, Jesús-Martin. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Editora UFRJ, Rio de Janeiro, 1997

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