sábado, 30 de abril de 2011

"Os esquecidos", de Luis Buñuel, 1950, por Luiz Carlos C. M. Ferreira


O filme Os Esquecidos (Los Olvidados), apesar de dirigido pelo espanhol Luis Buñuel, faz parte da lista dos melhores filmes mexicanos até hoje. Rodado em 1950, na Cidade do México, ganhou o prêmio de melhor diretor no Festival de Cinema de Cannes, tendo recebido, logo em seguida, o registro de Memória do Mundo, conferido pela UNESCO. A película é considerada a mais importante da fase mexicana de Buñuel e é constituída por elementos calcados no neo-realismo italiano e no surrealismo espanhol.

Por sua abordagem crua e direta em relação à grave situação social, o filme gerou no México muita polêmica, inclusive com tentativas agressões físicas ao seu diretor. Num primeiro momento, permaneceu por apenas quatro dias em cartaz. Contudo, tempos depois, com a premiação em Cannes (melhor diretor), a mídia mexicana passou a considerar o filme a partir de um ângulo diferente, chegando a ser exibido nas principais salas de cinema por mais de dois meses seguidos.


A temática do filme é claramente de cunho social. Procura abordar, dentre vários aspectos, a questão dos bolsões de miséria que afligem as crianças moradoras de favelas (lembra em muito as mazelas das grandes cidades brasileiras) e, a partir do olhar de um adolescente (Jaibo) que acabara de fugir de uma instituição correcional (espécie de FEBEM), revela o drama de pessoas que tentam sobreviver num ambiente indigno e desumano. Podemos dizer que se trata de um drama ou tragédia neo-realista, quase documental e com um viés marcadamente social. Para André Bazin, Os Esquecidos representaria o que ele denominou de “cinema da crueldade”, guardando uma estreita relação com o teatro de Antonin Artaud.


Nesse filme podemos ainda identificar elementos associados à Psicanálise (Complexo de Édipo, por exemplo), como nas cenas que mostram as tentativas de aproximação de Pedro em relação a sua mãe que o renega sistematicamente. O sonho onde Pedro clama por comida e sua mãe oferece-lhe vísceras é marcante e aponta para características surrealistas, bastante exploradas nos primeiros filmes de Buñuel. Sentimentos de compaixão é algo que o cineasta em questão procura afastar neste filme. A ausência do Estado como garantidor de uma vida mais decente para a população favelada é algo bastante visível. Essa desestrutura e carência é imediatamente repassada para as relações que se estabelecem entre os moradores locais, gerando conflitos e desesperanças cada vez mais pulsantes e destrutivos. É como se uma coisa alimentasse a outra. Um Estado corrupto e sem quase nenhuma responsabilidade social diante de estruturas familiares falidas, desprovidas de afeto e atenção entre seus membros.

Os personagens de Os Esquecidos, considerando o ambiente socialmente desajustado em que vivem, passam, em alguns casos, a colocar em risco o pouco de dignidade e pureza que ainda podem trazer em si. Assim, por exemplo, o momento no qual o personagem “olho pequeno” é provocado pelo cego e logo depois levanta uma pedra para atingi-lo, desistindo em seguida, é bastante emblemático, nesse sentido.


Significativa e bastante forte a sequência onde a mãe de Pedro entrega-o à polícia para ser internado numa escola agrária. O diálogo que se trava entre a mãe e o juiz de menor traduz muito bem o jogo de empurra-empurra que envolve o poder público e a família quando se trata de educar e acolher “seus filhos”. Aliás, não podemos deixar de observar a semelhança entre Os Esquecidos e Os Incompreendidos, de Truffaut. Ambos procuram retratar a infância perdida no meio de um ambiente familiar e social confuso e contraditório. No caso do filme de Truffaut, porém, que foi realizado nove anos depois, essa precariedade infantil/juvenil ocorre em circunstâncias bem mais amenas, tanto do ponto de vista da trama em si, como também da estética utilizada pelo cineasta francês.

O senso de erotismo também tem seu espaço nessa película. Atente-se para a cena do leite derramado sobre as coxas da menina e as investidas de Jaibo na mãe de Pedro. Por fim, vale destacar o trabalho de fotografia de Gabriel Figueiroa cheio de contrastes de luz que nos revela uma representação crua e brutal da delinqüência juvenil mexicana.

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