sábado, 30 de abril de 2011

"O anjo exterminador", por Rebecca Cirya


O anjo exterminador, Luis Buñuel (1962), é o último filme da fase mexicana do diretor. O filme instiga o expectador a refletir sobre o animal-homem. Aparentemente com um enredo simples o filme abusa de simbologias ao contar uma ficção-surrealista. Após a ópera algumas pessoas da alta sociedade são convidadas para jantar na casa de um rico aristocrata, entretanto situações estranhas acontecem durante e após o jantar.

A educação da elite, as normas de etiqueta, a forma sutil de fazer perguntas indiscretas e também de agredir são bem apresentas por Buñuel num primeiro ato. Na cena onde o guisado Maltês é derrubado no chão, piadinhas como: “Estava delicioso” ou “Luzia tem um charme especial! Nem todos sabem fazer esse tipo de surpresa.” demonstram com clareza a ironia perversa da sociedade elitizada, eufemizada por risos.

O surrealismo começa quando de maneira inexplicada os empregados deixam a casa, ficando apenas o mordomo (a permanência proposital desse servente mostra a existência de uma classe ou de pessoas que se submetem aos insultos e as hipocrisias da alta sociedade sem reclamar). O mais estranho e surreal é que após o jantar ninguém manifesta interesse em ir para casa e acabam por dormir na sala, infringindo assim as regras de etiqueta. Na manhã seguinte algumas pessoas começam a notar que mesmo que aja o interesse de sair do salão não o fazem como se houvesse uma porta invisível que os impedissem de sair.

Aprisionados em um salão e expostos a uma situação limite as pessoas deixam de lado os bons costumes e apresentam-se como animais irracionais e dispostos a tudo pela sobrevivência. Cada pessoa se apresenta como realmente é com suas manias e defeitos. Um casal prefere se isolar no armário e viver distante do caos instalado no ambiente (esse tipo de atitude reflete a forma como algumas pessoas preferem viver um mundo particular, isolando-se da realidade). Outros se entregam as loucuras e devaneios, vivendo presos em seus medos. Alguns procuram um culpado e outros ajudam a manter a ordem e decência.

Quando se acabam a água e a comida as pessoas que antes comiam caviar e bebiam vinho se veem obrigadas a tomar água da encanação e comer papel. Na cena onde os homens perfuram a parede em busca de um cano contendo água, o instinto de sobrevivência animal que existe em cada ser humano vem à tona, não existe mais a cordialidade de primeiro servir as mulheres ou doentes, cada um quer ser o primeiro.

Passados alguns dias a casa vira alvo da publicidade, pois ninguém consegue entrar na casa (empregados, filhos, maridos, polícia). Dentro do salão o caos só piora, pois até um morto se encontra entre eles, manter a racionalidade é quase impossível. A câmera atua como um expectador que analisa as diversas reações diante da situação de pânico.

O anjo exterminador seria a força maior que extermina as máscaras para que possa aparecer o verdadeiro “eu” das pessoas. Quando as máscaras caem aparece o animal-homem que despido de hipocrisia e educação apresenta-se frágil e irracional, sem pudor. O salão (prisão) serve como laboratório, onde são feitas diversas experiências com o animal-homem para averiguar as possíveis reações diante de uma situação limite.

Buñuel critica não apenas a burguesia, mas o homem como todo e na cena final deixa claro uma critica a igreja. Oque aconteceria se as pessoas que pregam paz, amor, compaixão se encontrassem na mesma situação limite? Não seria muito diferente do ocorrido no salão dos burgueses. Um filme como esse não pode ter explicações ou conclusões objetivas, toda interpretação é subjetiva oque é existe na realidade são especulações, pois cada símbolo presente no filme pode ter mais de uma interpretação. O anjo exterminador propõe sempre novas conclusões, o filme não se esgota. Muito interessante é que o texto narrativo é bem simples, a complexidade encontra-se no subtexto.

Esse não é o único filme que Buñuel critica a moralidade da burguesia ou instituições sociais, em 1971 retomou a mesma critica no filme “O discreto chame da burguesia” com uma roupagem totalmente nova. A grande genialidade de um grande diretor como Buñuel é retomar temas, contando-os de formas diferentes. Sempre comprometido com questões sociais, seus trabalhos são realizados de forma brilhante.

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