sábado, 30 de abril de 2011
"Os esquecidos", de Luis Buñuel, 1950, por Lara Buitron
A história é relativamente simples: um grupo de jovens mexicanos marginalizados que tentam sobreviver de pequenos furtos em um mercado do subúrbio mexicano. Dentre esses jovens há quatro que se destacam: El Jaibo, o retrato mais nítido do clássico “trombadinha”: abandonado pelos pais, sem escolaridade ou chances de emprego, sem moradia e fugitivo do reformatório, sem perspectivas de um futuro melhor; Pedro, tem quatro irmãos, nunca conheceu o pai, foi privado de amor materno, não consegue emprego decente e se rende aos pequenos delitos, ele representa o menino que tenta mudar mas é como se toda tentativa de ser bom desse errado e piorasse sua situação; Ojito representa a bondade e ingenuidade de uma criança, é um garoto do interior abandonado pelo pai no meio da Cidade do México, frágil e sem já sem esperanças de voltar para casa aceita um trabalho semi-escravo em troca de comida e teto com Dom Carmelo, um cego avarento e de extrema-direita; por fim está Meche, a única menina da história, ela não faz diretamente parte do grupo de marginais, assim como Ojito, mas tem uma importância de peso no filme, pois mostra como eram tratadas meninas numa sociedade machista e miserável.
Luis Buñuel é o principal nome do cinema quando se fala em surrealismo, porém sua obra essencialmente surrealista é curta, conta apenas com dois filmes: Um Chien Andalou e L’Âge d’Or. Depois dessa fase vanguardista o cineasta parece mergulhar mais a fundo no real, afinal sua próxima obra seria um documentário ultra-realista: Las Hurdes, porém segundo o próprio realizador o documentário teria em sua gênese algo de surrealista, afinal “não são as imagens que são surrealistas, o mundo é que o é”. Buñuel não perderia nunca sua raiz surrealista, nem mesmo em sua fase mexicana em que o neo-realismo se vê tão presente, em Los Olvidados são apenas duas ou três cenas que remetem à sua primeira fase, mas se observarmos com cautela podemos ver que o filme todo em si tem um pé no surreal, apesar de uma narrativa aparentemente clássica e linear é interessante observar que o protagonista, Pedro, é apenas apresentado ao espectador quase no final do filme, como se organicamente a câmera se interessasse mais pela sua história do que pela dos outros.
O filme não tem julgamentos morais para com as crianças, como disse André Bazin: “a grandeza deste filme só se capta quando se sente que Buñuel nunca se refere a categorias morais. Não há qualquer maniqueísmo nas suas personagens. (…) Aquelas crianças são belas, não por fazerem o bem ou o mal, mas porque são crianças mesmo no crime e na morte”, talvez por isso o filme me remeteu quase que instantaneamente à obra de Jorge Amado Capitães de Areia, livro que conta a realidade de um grupo de crianças de rua que sobrevivem também de pequenos delitos em Salvador. Falando de cinema, o filme lembra bastante Rio 40º de Nelson Pereira dos Santos de 1955 e o mais recente Cidade de Deus Fernando Meirelles de 2002, não é a toa que os três filme encontraram-se em 2008 na lista da videoteca sobre órfãs da América Latina da Fundação Memorial em São Paulo (junto também da adaptação para cinema do livro Capitães da Areia). No longa de 1955 que inspirou o cinema novo, podemos observar incríveis semelhanças, além da moldagem moral onde a sociedade e o Estado são os reais culpados pela marginzalição, a história tem muito em comum, além dos dois filme serem um quase-documentário. Já o filme de Fernando Meirelles é mais plástico, a estética é muito trabalhada, mas a temática tratada é quase a mesma, um novo neo-realismo.
Assim como Júlio Bressane e Ruy Guerra disseram em um debate sobre cinema e poesia é possível sim plagiar algo que vai acontecer no futuro e José Carlos Avellar que o neo-realismo plagiou o cinema latino-americano, pode-se dizer que Luis Buñuel “plagiou” o novo neo-realismo brasileiro que apareceria de vez em quando nas telas a partir dos anos 80. O tema de Los Olvidados parece não se esgotar nunca, em pleno século XXI um filme rodado em 1950 ainda parece uma crônica latino-americana, Luis Buñuel com seu surreal neo-realismo continua nos fazendo pensar na sociedade em que vivemos e o que fazemos para muda-la, sociedade esta de sessenta anos atrás e que parece não ter mudado muito.Toda a América do Sul está cheia de Pedros e Jaibos, marginais e miseráveis, carentes de amor e educação.
Referência Biográfica e Fontes:
outinho, A., Trancoso, B., Barbosa, F., Pinheiro, L. e Costa, M. (orgs.) (2009) Cinema Surrealista (http://pt.scribd.com/doc/17704209/Cinema-Surrealista);
Machado Jr., R., Lima Soares, R. e Corrêa de Araújo,L. (orgs.) (2006) Estudos de Cinema SOCINE. Versão virtual da 1ª edição. São Paulo: Annablume. (http://books.google.com.br/books?id=0muinfUQs7MC&pg=RA3-PT170&lpg=RA3-PT170&dq=capit%C3%A3es+de+areia+los+olvidados&source=bl&ots=Bvfb220vGb&sig=O4zcHwrb0NIHAqcyZHVMS50fMmI&hl=pt-BR&ei=DxKkTeHkHofy0gHB1-nkCA&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=7&ved=0CD8Q6AEwBg#v=onepage&q=capit%C3%A3es%20de%20areia%20los%20olvidados&f=false);
M. Hart, S. (2004) A companion to Latin American film. Versão virtual da 1ª edição. Reino Unido: Boydell and Brewer. (http://books.google.com.br/books?id=QGiRtopmuk4C&printsec=frontcover&dq=los+olvidados+cidade+de+deus&source=bl&ots=J4_j88uxzI&sig=ttFCPbB_PwyfO8AzQeYcS76sItk&hl=pt-BR&ei=WSOkTanhKayB0QHt4LTrCA&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=10&ved=0CFQQ6AEwCQ#v=onepage&q=los%20olvidados%20cidade%20de%20deus&f=false);
Cadernos de textos da Escola de Cinema Darcy Ribeiro, texto de José Carlos Avellar. (http://www.escoladarcyribeiro.org.br/media/Realismos.pdf);
Suplemento Cultural & Literário Guesa Errante, texto de Vicente de Paula M.C.F. Júnior pela comemoração dos vinte anos da morte de Luis Buñuel. (http://www.guesaerrante.com.br/2005/11/30/Pagina381.htm);
Revista Virtual de Cinema Contracampo, texto de Paulo Ricardo de Almeida. (http://www.contracampo.com.br/78/osesquecidos.htm);
Site Jornal de Poesia, texto de Gaspar Garção. (http://www.jornaldepoesia.jor.br/BHAH08luisbunuel.htm);
Site da Fundação Memorial de São Paulo. (http://www.memorial.sp.gov.br/memorial/RssNoticiaDetalhe.do?noticiaId=1362
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