sábado, 30 de abril de 2011

“O Anjo Exterminador” (El Angel Exterminador, 1962), por Tarciso Rodrigues


Na rua da providência, numa suntuosa mansão, burgueses mexicanos se reúnem para um jantar após terem assistido a uma ópera. Estranhamente, os empregados decidem deixar a casa mesmo antes de o jantar ser servido, um a um, ficando apenas um, de comportamento arrogante, para servir os convidados. Durante a reunião, os personagens comem, bebem, ouvem músicas e conversam entre si, até o momento em que se cansam e decidem ir para as suas casas. Mas é aí que algo acontece, pois algum fenômeno estranho os impede de saírem daquele ambiente. Toda essa atmosfera dá vida a uma das obras cinematográficas que melhor desenvolveu a temática da crítica social no cinema: O Anjo Exterminador.

Já durante o jantar, os diálogos deixam clara a forma desprezível como aquelas pessoas se veem, e veem os desfavorecidos. No momento em que um dos personagens faz um comentário sobre uma das mulheres presentes naquele salão, que está com câncer – e brinca com a possibilidade de sua morte. Esta cena, entre outras, mostra que, apesar de serem pessoas “intelectuais” e “evoluídas”, falta nelas um comportamento mais humano na relação ao próximo. E, no desenvolver da trama, a situação só piora, pois o tal fenômeno põe essas pessoas cada vez mais em prova. Quando começam a faltar os suprimentos e até mesmo água, fatores que contribuem para a desordem, os personagens começam a demonstrar um comportamento agressivo uns com os outros chegando até à violência física, com isso, assemelhando-se a um comportamento bárbaro, e dessa forma, revelando a verdadeira personalidade primitiva de cada uma daquelas pessoas. O status social, as vestimentas e o fino trato apenas serviam como uma capa que encobria toda barbárie intrínseca ao comportamento delas.

Quanto aos aspectos técnicos e estilísticos da obra, destacam-se os enquadramentos dados pela fotografia. Totalmente inspirada na fotografia neorrealista, os planos conjuntos são uma constante, há uma quase ausência de plano e contra plano, onde toda narrativa é exposta de forma bastante simples. Os diálogos quase sempre são feitos em um único enquadramento, seguidos de planos abertos e do uso da profundidade de campo também como elemento narrativo. Segundo André Bazin, esse estilo de fotografar, que foi muito usado no Neorrealismo, ajuda a passar um sentido mais “verdadeiro” ao tema abordado. Outro detalhe importante da fotografia à narrativa está no uso da câmera em movimento lateral, apresentando cada personagem ao telespectador, essa opção técnica também da uma impressão de que a câmera é o próprio Anjo Exterminador observando o comportamento desprezível de cada um dos personagens presentes naquela reunião. É também como se nós, os telespectadores, assumíssemos a posição do próprio Anjo em seu julgamento.

Este filme do diretor Luis Buñuel também utiliza muitos elementos que sinalizam a sua autoria como cineasta, e não poderia ser diferente. Nos momentos de delírio das personagens, na mão que circula pela casa, num urso como animal de estimação, ou até mesmo em pés de galinha que servem como amuletos, elementos que lembram o surrealismo, mas que não são componentes surrealistas no enredo, pois eles servem para compor a narrativa e não estão soltos como elementos não diegéticos, na maioria das vezes, eles tem a função de indicar o desnorteio daquelas pessoas. A forte crítica social e religiosa também está muito presente nesta obra. E, neste caso, de forma brilhante. O roteiro, muito bem elaborado, desenvolve-se de forma satisfatória na questão do bloqueio que as pessoas sentem ao tentar sair da casa, e nas desculpas que elas mesmas se dão para isso – percebe-se que nem elas entendem o motivo que as faz continuar naquele confinamento, que as inserem em uma espécie de jogo da moral e do comportamento humano. Mas é, principalmente no momento do desfecho da trama, que o roteiro atinge a sua proeminência, pois ele traz ao telespectador uma profunda reflexão quanto às instituições dominantes da sociedade, a forma desumana como elas tratam o problema da desigualdade e consequentemente da falta de oportunidade que acontece com muitos.

O Anjo Exterminador, analisado sob todos os aspectos, firma-se na cinematografia como uma das obras mais importantes, pois, juntamente a filmes como Laranja Mecânica e Dogville, entre outros, ele se destaca tanto pela qualidade técnica e artística quanto pela denúncia às mazelas que constituem a sociedade. O lado negro da maioria dessas obras é que elas são produzidas dentro de uma narrativa que só se faz entender pelas pessoas de um nível cultural mais elevado, e dessa forma, elas não chegam ao entendimento daqueles que realmente necessitam compreender como funciona esse sistema complexo e manipulador chamado sociedade. E são, exatamente, essas pessoas que sustentam a grande base da pirâmide social, com muito suor e trabalho, mas, ao mesmo tempo, com muito pouco conhecimento.

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