segunda-feira, 26 de outubro de 2009

"Cinema argentino no século XXI" por Paula Riff




“O Pântano” (La Ciénaga) e o “Filho da Noiva” (Hijo de la Novia) representam a diversividade do cinema argentino, pois, apesar de terem muito em comum, constituem gêneros completamente diferentes. Ambos foram produzidos em 2001, na Argentina e sua temática aborda, em suma, as relações familiares. Entretanto, a ótica e a narrativa empregada mudam completamente a experiência adquirida de tal maneira que ao assistir a tais filmes tem-se a impressão de nada terem em comum.

O Filho da Noiva segue o modelo do típico cinema de gênero influenciado pela narrativa leve e linear das comédias norte-americanas. Tem seu personagem principal bem definido, Rafael Belvedere (Ricardo Darín), e o filme se desenrola a partir dos acontecimentos que ocorrem em torno dele, ou seja, conta a história de um homem que ao sofrer um ataque cardíaco revê seus valores familiares e tenta dar outro rumo a sua vida.

Os momentos de clímax do filme são claros, assim como os relacionamentos entre os personagens e os conceitos de família e de amor presentes na história. Para cada problema exposto, há uma resolução. Há começo, meio e fim bem delineados. No começo, há a apresentação dos personagens e das relações. Através de uma cena da infância de Rafael conhecemos seu amigo Juan Carlos (Eduardo Blanco) personagem importante na narrativa.

No meio do filme são apresentados os conflitos que o personagem terá que superar: a sua relação com sua mãe, Norma Belvedere (Norma Aleandro, atriz principal do também argentino “A história oficial”), com sua filha e com sua namorada. E no final há a resolução de todos os conflitos de maneira positiva. É um filme comum, divertido e que, apesar de todas as influências externas, não deixa de representar muito bem o cinema do seu país.

O outro exemplo de cinema Argentino destoa completamente das narrativas comuns. “O Pântano” é um filme tenso e inquietante. Sua temática não é bem definida assim como não são os personagens ou as relações que se formam entre eles. Há sempre a sugestão de algo que nunca é confirmado o que abre a oportunidade de diversas interpretações. As insinuações das relações incestuosas e homo afetivas incrementam ainda mais a ambiguidade do filme.

Não há um personagem principal. Sendo assim, a única coisa que une todos os personagens é o lugar onde a maioria dos eventos ocorre o que faz com que próprio local se transforme em um dos personagens da narrativa, ao qual se refere o título do filme.

Não há a elaboração de qualquer curva dramática ou clímax quer seja no início ou no fim da narrativa, o que reforça a impressão de estagnação dos personagens que não conseguem sair da fazenda, exemplificado pela tentativa frustrada de uma das personagens de ir para a Bolívia. Tal estagnação é simbolicamente tratada pela imagem da vaca submersa na lama.

O excesso de personagens em quadro que faz parte da mise-en-scène criada pela diretora Lucrecia Martel impõe ao expectador a permanente sensação de sufocamento. Um dos temas muito interessante abordado no filme é o da condenação ao legado familiar o qual fica claro na oposição da primeira e a última cena que revelam a repetição das ações ou inações dos personagens velhos, pelas personagens jovens que terminam o filme sentadas na borda da piscina, como se estivessem condenadas a ter o mesmo destino de seus ascendentes. Tal tema ainda é explorado no medo que é demonstrado pela matriarca Mecha (Graciela Borges) que temia ficar presa em sua cama até o fim da vida como acontecera a sua mãe.

“O Pântano” é uma espécie de drama psicológico, subjetivo, cheio de ambigüidades, simbolismos, personagens complexos e relações instáveis, e um excelente exemplo de cinema argentino e de cinema autoral.

O filme “O Pântano” de fato propõe estilo diverso do cinema argentino que “O Filho da Noiva” representa, mas diferente do que muitos acreditam, eles não se opõem. Não há qualquer impossibilidade de apreciar os dois gêneros e se sentir satisfeito e orgulhoso com o crescimento e aprimoramento do que alguns chamam de Novo Cinema Argentino e consequentemente do Cinema Latino-Americano, cada qual com produções competentes para cada intenção proposta: divertir e surpreender.

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