domingo, 25 de outubro de 2009

"A mulher de todos" por Yanna Luz



Em cada plano desperta a mesma sensação de quando se está cara a cara com uma barata, e, depois de longos minutos tomando coragem para dar-lhe uma chinelada, descobre-se que ela não é uma barata comum (!), trata-se de um tipo voador. A sensação de que ela olha pra você e ri muito da sua impotência é quase insuportável.

Nunca se pôde ter certeza de que as baratas não têm esse tipo de senso de humor. Tal situação-limite exala o mesmo cheiro de conspiração que está impregnado no filme “A mulher de todos”, de Rogério Sganzerla. Não é você que propriamente ri do filme, é como se, na verdade, ele zombasse de você, por lhe fazer rir de um mundo que é seu.

Tudo é transposto em um sistema de imagens na dança do ‘quanto mais parecer nonsense melhor’, tendo início com uma bola gigante na beira do mar, a qual o personagem de Jô Soares lambe com uma voracidade constrangedora. Parecer nonsense, sim, mas não é prudente a ilusão de que, de fato, em nada haja sentido, porque no final das contas tudo é crítica. Embalado por trechinhos de rock dançante, admitindo sua grande influência pop, com frases de efeito ótimas (hilariamente mal sincronizadas), de ritmo rápido, muito subtexto e mensagem subliminar, o filme é, por fim, um prato cheio pra quem gosta de bizarrice. E pra quem gosta de notá-la ao seu redor, e até se ver, desiludidamente, como parte dela.

Bizarro a começar pela protagonista que conduz a trama e tem o nome pouco absurdo de Ângela Carne e Osso, que de anjo não tinha nada e era até mais osso, diga-se de passagem, mas era especialista mesmo nos prazeres da carne. Diz-se mulher nascida para os boçais, casada e apaixonada pelo maior deles, mas nem por isso dispensa os outros. Ângela é a mistura explosiva de uma Afrodite subversiva com a Caipora, versão loira, e tudo isso dentro de vestes moda praia no mínimo curiosos.

Retratando (e principalmente criticando) a sociedade, moralmente desfigurada e bêbada, o filme traz personagens muito peculiares, semi-aberrações hilárias, que vão desde um empresário gordo que lê histórias em quadrinhos a um detetive incompetente ou um toureiro gay. Todos eles, de um jeito ou de outro, passam por Ângela, a única mulher realmente relevante da trama, e expõem seus universos insanos, egoístas e mesquinhos tendo como cenário a Ilha dos Prazeres, uma espécie de locação ideal para o deleite da burguesia. (Você já visitou a Ilha dos Prazeres?)

O filme não é dosado; não é somente ácido, é quase letal (numa embalagem falsamente idiota). Satiriza tudo, de forma improvável, e tudo significa dizer que nem o mais puro dos espectadores será poupado. Não há como reclamar. Eles avisaram: “Nós não gostamos de gente!”. Contraditório e tão infame que chega a ser fantástico.

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