domingo, 25 de outubro de 2009

"Memórias do subdesenvolvimento" por Clara Pérez


“1961: La Habana. Numerosas personas abandonan el país”. Assim começa Memórias do subdesenvolvimento, um dos filmes dirigidos por Tomás Gutierrez Alea no ano de 1968 e considerado como um ícone do cinema cubano e do Cinema Novo Latino Americano em geral. Na sua adaptação do romance homônimo de Edmundo Desnoes, o direitor cubano consegue se esquivar da censura e se propõe a retratar a situação do seu país após a revolução castrista, ao mesmo tempo em que realiza uma crítica do caos e da incerteza que reinam na Cuba e do subdesenvolvimento em que se encontra a população cubana, à sombra do gigante estadounidense.

No entanto, Memorias do subdesenvolvimento vai além da conjuntura histórica do país e é mais que um simples documentário. O filme submerge o espectador nas “memórias inconsoláveis” (do título do romance de Edmundo Desnoes traduzido ao inglés, “Inconsolable Memories”) de Sérgio, o protagonista, e é através dos seus olhos e da sua história contada na primeira pessoa que percebemos o contexto de Cuba e que nos chega a uma visão ambivalente, que não acaba de tomar posição com respeito à revolução, nos permitindo assim uma grande parte de interpretação e de reflexão pessoal.

O personagem de Sérgio, um escritor de classe média de 38 anos, é alguém dificil de analisar. Ademais de se encontrar numa situação pessoal complicada (depois da sua família e da sua mulher terem fugido para Miami), ele também deverá tentar entender e assimilar a situação em que está atravessando o país, enfrentando a numerosos questionamentos existenciais. Sendo assim, ele tenta se refugiar e permanecer isolado do caos e do subdesenvolvimento exterior, mas não deixa de criticar fortemente os culpados desse subdesenvolvimento bem como de desprezar as vítimas dele, como Elena, enquanto fica entre as paredes do seu apartamento. Ele pretende se limitar a observar a realidade cubana, a pobreza e a miséria não só econômica mas também inteletual, desde o telescópio da sua varanda, sem chegar a perceber que a sua vida já faz parte da incerteza e da instabilidade local.

Apesar de não estar nem contra nem a favor da revolução segundo o personagem de Elena, e apesar de ver como pouco a pouco mais conhecidos dele fogem para os Estados Unidos, Sérgio decide ficar na ilha, atitude igual a que tomou o próprio direitor do filme, vivendo assim o dia-a-dia desse momento chave da história e averiguando desde Cuba sobre o que vai acontecer. Através do personagem de Sérgio, em total defasagem do ambiente político e social da Cuba pós-revolucionária, o espectador poderá conhecer a vários aspectos da revolução cubana (a fuga para Miami de uma grande parte da população, a batalha de Playa Girón, a Crise dos Mísseis, as críticas e a falta de interesse em proveniência da burguesía cubana como mostra o personagem de Pablo, a confusão no país expressada por Sérgio...). Sobre isso Tomás Gutierrez Alea escreveu: “através desse personagem [...] podemos descobrir novos aspectos da realidade que nos rodeia. Às vezes através dele. Outros em contraste com ele” (em "Memorias del subdesarrollo. Notas de trabajo", Cine Cubano # 45-46, 1968.)

Além disso, o filme, em preto e branco, está marcado pela mistura de cenas fictícias e sonhos produtos da imaginação de Sérgio com imagens reais, provocando assim um vai e vêm constante entre a fição histórica e a realidade que lembra-nos o cinema característico do neo-realismo.

Como último aspecto essencial do filme, poderiamos mencionar a capacidade que ele tem para abordar debates e polêmicas que continuam sendo discutidas na atualidade, 50 anos após ele ter sido produzido, como por exemplo, o desenvolvimento das regiões periféricas das potências ocidentais ou a questão da hegemonia e do imperialismo americano sobre a América Latina.

Nenhum comentário:

Postar um comentário