domingo, 25 de outubro de 2009

"Iracema, uma transa amazônica" por Karem Almeida Santos


"Iracema, uma transa amazônica" cria a partir do título a expectativa de uma obra de conteúdo erótico que se desfaz já nas primeiras cenas. No desenrolar da trama, que mistura temperos de documentário e ficção, é desenhada uma mistura de exclusão social e desrespeito à natureza que infelizmente fazem parte de um contexto bastante real. Iracema está inserida num mundo de prostituição e abandono no qual as relações sociais mais antigas, tais como a escravidão e o abuso sexual daquela descendente de índios transformam o filme num triste retorno às estruturas sociais as quais qualquer brasileiro gostaria de esquecer.

A obra se passa nos anos 70, anos de ditadura militar, que desenhou para o Brasil um projeto de crescimento baseado na ocupação/exploração da floresta amazônica. Elementos do discurso nacionalista são captados no conhecido jargão do governo da época: “Ninguém segura esse país”. As promessas da ditadura militar para o crescimento da Amazônia a partir da criação da Zona Franca de Manaus e da própria transamazônica e as conseqüências trazidas por esses projetos são alguns elementos encontrado na obra. O novo e o velho se encontram e montam um verdadeiro circo de horrores: o empresário que negocia a compra de áreas protegidas pelas leis dos homens e da floresta, a fumaça do desmatamento, que imprime uma neblina que torna seco, vazio, vermelho e triste o ambiente.

"Iracema – uma transa amazônica" retrata a crescente presença estrangeira na Amazônia: Japoneses que negociam a compra de trabalhadores escravos e o norte-americano que “contrata” os serviços sexuais de Iracema, personagem interpretada pela jovem atriz amadora Edna de Cássia. A “mercadoria” adquirida pelos japoneses rendeira quatro anos de trabalho e dificilmente encontraria o caminho de volta pra casa, visto que, segundo seu aliciador, “o pessoal pensa que está no Mato Grosso”
O filme é construído numa realidade dura, sofrida, que transfere para a tela e constrói no espectador brasileiro uma sensação de desconforto e não reconhecimento do lado feio daquela terra como parte de sua nação. A Amazônia das lendas, da mata virgem e do ar puro é esmigalhada pela confrontação da dura realidade dos negócios, da fome e da miséria humana.

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