sexta-feira, 30 de outubro de 2009

"Um Shakespeare Latino-Americano" por Tiago Bacelar


Uma colher de sopa de tragédia shakespeariana, uma pitada de dramalhão mexicano e muita comida. É dessa mistura de culinária, romance proibido, história de época e guerra entre México e Estados Unidos, que saiu do forno, Como Água para Chocolate. Produzido em 1992, o divertidíssimo filme do mexicano Alfonso Arau tornou-se um dos primeiros reais sucessos de bilheteria latino-americano.

Toda a história do filme é guiada pela comida. A cebola, representando a lágrima, tempera o chororô sem fim, à melancolia e a tristeza dos personagens. Interpretações exageradas marcam a atuação dos atores. As rosas expressam o sangue como símbolo do romance, da paixão e atração sexual. O fósforo desvenda à alma, a alquimia, a pedra filosofal, à vontade e razão para viver.

A sopa cura a loucura, a insanidade, a perda da razão. A cozinha é a vida. Tita e Pedro encarnam a tragédia shakespeariana de Romeu e Julieta. Amor proibido, indo contra os costumes, rumo à morte trágica. Gertrudes seria uma espécie de Hilda Furacão, de boa família, larga a riqueza para viver num bordel e retorna triunfalmente como generala dos revolucionários mexicanos.

Rosaura é frágil como uma pluma. Mesmo se casando com Pedro e tendo uma filha chamada Esperanza, ela não consegue superar o fantasma da sua irmã Tita, verdadeira dona do coração de seu marido. A mãe representa uma mistura da clássica bruxa má das histórias infantis com a típica assombração dos filmes de terror.

Como Água para Chocolate é bem marcado historicamente, indo de 1895 até 1934, no casamento de Esperanza. A reconstrução de época é interessante, passando pelos cenários, figurinos, costumes e caracterização de personagens. As diferenças entre a família mexicana de Tita, conservadora, e a família americana do dentista, aberta e receptiva, é um bom exemplo do ótimo trabalho de concepção do filme.

O livro de culinária narra a história e o último plano visto é um enquadramento do livro se fechando da mesma forma que os desenhos animados de Walt Disney. São as somas de uma trama bem realizada, atores dedicados a proposta do filme e a intertextualidade de cinema e literatura, que tornaram Como Água para Chocolate num grande sucesso de público e bilheteria. Vale a pena ver de novo.

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