domingo, 25 de outubro de 2009

"Como água para chocolate" por Henrique Vieira


A produção audiovisual mexicana tem o estigma de algo meloso, melodramático e de atuações forçadas. Assim como se tem, no Brasil, a presença marcada de filmes longos e silenciosos sobre o sertão e o rude homem nordestino. Esses estilos não representam a totalidade da produção desses países, mas se fazem de forma tão forte que acabam impregnando uma espécie de identidade ao cinema de seu país. É claro que em ambos os casos temos exemplos completamente opostos como El crimen del padre Amaro e Amores Perros no México ou Cheiro do Ralo e Cão sem Dono no Brasil, para citar somente alguns. Mas estes não são suficientemente fortes para conseguir tirar a imagem geral que se tem do cinema mexicano (ou brasileiro).

Como água para chocolate, infelizmente, se apresenta para reafirmar um pouco este senso comum criado em torno do cinema mexicano. Certo, ele não é, de longe, um emblema do gênero. Mas não deixa de reproduzir diversos elementos que criaram a força do termo “melodrama mexicano”, cujo pronunciamento serve diretamente de referência à exploração kitsch do amor romântico aliada a um tipo de interpretação caracteristicamente forçada. Embora não se deixe de conferir diversos elementos poéticos no filme, que não conseguem, no entanto, solevar o filme como um todo.

A história se passa no final do século XIX/ começo do século XX, no interior mexicano. Uma família tradicional de três filhas perde o pai e passa a viver entre mulheres em sua grande fazenda. Um dia, Pedro, um morador da vizinhança se enamora de Tita, a irmã mais nova, e vai pedir sua mão à mãe da menina. No entanto, esta recusa pois, pela tradição, a filha mais nova da casa deve permanecer solteira para cuidar da mãe até sua morte. Em contrapartida, a mãe propõe a mão de sua filha do meio, apenas dois anos mais velha que Tita, Rosaura. Para poder ficar perto de sua amada, Pedro aceita a oferta e casa-se, a contragosto com Rosaura.

O estilo do filme até então é meio piegas. Pedro, “o valentão”, nos causa desgosto com sua atuação à la época de Molière, e alguns recursos narrativos são explorados das formas mais óbvias possíveis. Como, por exemplo, quando ocorre um diálogo entre Pedro e seu pai, que pergunta ao filho por que aceitou a mão de Rosaura se, na realidade, gostava de Tita.

-“Não, papai… É porque assim, estarei mais próximo da menina que amo.”
-“haaaa…” (pai boquiaberto, impressionado pela grande perspicácia do filho)
É nesta hora que vemos que a criada velha estava escondida e havia escutado tudo. Tudo parece ter sido tirado dos manuscritos de algum dramaturgo francês do século XVII.

Quando chega a festa de bodas de Pedro e Rosaura, é à Tita, que cuida sempre da cozinha, que cabe preparar o bolo. Ela o faz, não sem estar aos prantos com o evento, e acaba deixando cair lágrimas na massa do bolo. Bolo pronto, todos que o comeram na festa terminam sendo pegos por uma grande onda de tristeza. Todos choram na festa, como se o pranto de Tita tivesse passado pela comida. Esta aí um recurso interessante da história, que se diferencia substancialmente do resto do filme. Em alguns momentos há toques de poesia no filme, e este é um deles. Tita expressa seus sentimentos e se comunica com o mundo via sua cozinha.

Pedro passará a viver na fazenda com Rosaura e sua família. Os olhares de Pedro para Tita são persistentes, e tudo isso provoca grande ciúme na irmã, além de raiva na mãe, verdadeira madrasta de Cinderela para com Tita. Um dia, Pedro dá um buquê de rosas para Tita. A mãe manda jogá-lo fora imediatamente. Ao invés disso, Tita usa as flores para fazer o molho da comida. Durante o jantar um grande sentimento de volúpia se apodera da mesa. A irmã mais velha, Gertudis, descobre o apelo de sua sexualidade e se vai de casa, junto a uma quadrilha de revolucionários. Quanto a Pedro e Tita, descobriram uma forma a mais de se comunicarem, de se tocarem… Outro toque poético interessante…

Chega um filho para Pedro e Rosaura. Eles terminam saindo da fazenda para a cidade. Não sem antes Pedro passar uma noite com Tita. Pedro fora de casa, Tita começa a enlouquecer com sua mãe, verdadeira megera, e acaba sendo levada a uma clínica psiquiátrica nos EUA. Já se havia mostrado no filme que Tita, em momentos de profunda tristeza, costumava coser uma manta. Quando ela está indo embora de casa numa charrete, tem-se um plano fixo mostrando a charrete se distanciando e a manta atrás dela se arrastando, interminável, assim como o é seu sofrimento. Talvez a cena mais bonita do filme.

Na clínica, o doutor se apaixona por Tita e a pede em casamento. Sentindo-se muito longe da possibilidade de estar junto ao seu grande amor, ela aceita. Entre tempo, chega a notícia que sua mãe fora assassinada em sua fazenda por um grupo de bandidos. Todos voltam para a fazenda. É o reencontro de Tita com Pedro. Mais não tem como o amor deles prevalecer naquele momento. Rosaura está grávida e dá luz a uma menina. Tita não se casa com seu médico. E é somente anos depois, no casamento de sua sobrinha com, justamente, o filho do médico, que Tita e Pedro vêem-se finalmente sozinhos e disponíveis (Rosaura falecera há pouco).

Todos haviam ido embora da festa. Os dois estão finalmente sozinhos. E se entregam então um ao outro, numa derradeira relação de amor, visto que a ela não sobrevive Pedro, acometido por emoção e êxtase em excesso. Tita, então, provoca uma autocombustão (que havia sido mencionada durante o filme como resultado de uma paixão por demais ardente que finalmente se consome). Seu corpo pega fogo. A casa inteira pega fogo. E é como se todo o universo que acolheu a trama de Tita e Pedro sucumbisse ao seu amor, rasgando pelo fogo.

Se a idéia pode parecer bonita, na tela, infelizmente, ela é brega. Uma exacerbação do amor romântico caindo no clichê da expressão “fogo da paixão” (que, se eu não me engano, dá nome a uma banda de brega dos dias de hoje, mostrando que realmente uma coisa não está muito longe da outra). Uma pena, pois o filme, como já foi precisado, consegue em alguns momentos criar imagens significativamente bonitas, mas sua estrutura de um modo geral o condena ao velho estigma da produção audiovisual mexicana. Que dispensa mais comentários.

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