segunda-feira, 26 de outubro de 2009

"Em busca de memórias" por Nilson Braga de Almeida


Sergio (Sergio Corrieri) é um homem que ficou no meio do caminho, entre ser a favor ou contra uma revolução. Ele apenas a assiste, como um mero observador privilegiado. Desiludido com os rumos que seu país tomou. Melancólico com as atitudes superficiais tomadas por sua sociedade. Sozinho. Refletindo e indagando sobre o porquê de tudo aquilo.

Ele é quem protagoniza Memórias do Subdesenvolvimento (1968). E é sob o seu ponto de vista que o diretor Tomás Gutiérrez Alea faz surgir no espectador, independente de sua nacionalidade, uma urgente necessidade de se alcançar uma autonomia, uma identificação na América Latina daquela época, a partir de uma Cuba envolvida em profundas mudanças.

O filme reflete essa tentativa de se conquistar de fato uma independência que, não por acaso, é uma aspiração constante das nações que foram colonizadas e submetidas à onda imperialista mundial. A viagem psicológica que vemos no personagem principal indica exatamente isso: ele está perdido, sem rumo, à procura de algo, querendo conhecer a si e aos seus conterrâneos, indagando sobre o futuro que o aguarda. Ele é o espelho de um povo isolado numa ilha, que questiona e tenta entender aquilo que se passa em seu território e no mundo.

O que vemos na tela é uma mistura de ficção e documentário que não confunde nem desestimula o espectador a acompanhar a narrativa. Ao contrário. O conquista e o envolve pela sutileza e habilidade com que as imagens são exibidas, mesmo sem conseguirmos identificar, por algumas vezes, se determinada cena gravada foi encenada ou fielmente captada do cotidiano de Cuba.

Essa aproximação com o real é fundamental para criar no espectador uma sensação de fidelidade ao contexto e aos fatos da época. As imagens de uma Havana se reerguendo e de pessoas que realmente participaram da revolução cumprem um papel de dar ainda mais veracidade à trama, interagindo com a narração em off de Jorge e servindo de cenário para seus relacionamentos amorosos.

A obra consegue adentrar na Revolução Cubana de um modo crítico – diferentemente de Eisenstein e outros diretores russos em relação à Revolução Socialista da antiga URSS –, mostrando um país transformado e, ao mesmo tempo, estático, no sentido de sua incapacidade de evoluir. Sua qualidade enquanto clássico do cinema mundial também está na construção eficiente de um limiar entre o verdadeiro e o imaginário que direciona o espectador a pensar no seu papel de cidadão ativo, seja numa comunidade, na sociedade à qual esteja inserido, ou na construção de seu país.

O resultado da película seria bem inferior se simplesmente houvesse a apresentação de fatos históricos decisivos para a revolta, como a ofensiva contra Sierra Maestra, a vida de Fidel, de Che Guevara, dentre outros. Ao invés disso, o foco está no povo. Isto sim é relevante: demonstrar as fortes transformações sociais às quais qualquer país está sujeito e como isso repercute sobre sua população.

Memórias do Subdesenvolvimento é daqueles filmes que marcam principalmente pelo fato de o cineasta conseguir tomar um acontecimento ocorrido em Cuba, sem ficar apenas restrito a ele, captando uma situação de medo e euforia, angústia e luta, dor e saudade, que não se perdem no vazio do tempo nem se delimitam no espaço, que servem para todo os povos que constituem uma nação no mundo.

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