domingo, 25 de outubro de 2009

"As histórias oficiais" por Douglas Deó



O filme de Luiz Puenzo não é exatamente um filme da dúvida. Apesar de vermos claramente a protagonista, Alícia, imersa em seus questionamentos sobre a origem de sua filha adotada, os recursos utilizados no desenvolvimento da história traçam um paralelo com os acontecimentos políticos do país e induzem o espectador a crer na hipótese da personagem.

Por isso o filme pode ser definido como um claro paralelo entre a história da Argentina e a de uma professora que não conhece a origem de sua filha. Ambas as histórias tem sua versão oficial, mas existe algo por trás dessas versões aparentes. O microcosmo familiar funciona, então, como representação do macrocosmo do país, além de estar profundamente ligado aos acontecimentos políticos retratados.

A evolução da heroína se dá, portanto, através da descoberta – mais dedutiva que factual – de que a criança que seu esposo trouxe parta criar foi vítima dos absurdos praticados pelo governo – este desaparecia com seus presos políticos e dava destinos incertos aos filhos nascidos durante a prisão.

A narrativa desenvolve a personagem de Alícia num diálogo entre os dois universos – que não são isolados um do outro – citados acima: inicialmente a postura dela em relação à história recente da Argentina parece distante e fria; ela questiona as afirmações de seus alunos sobre histórias da ditadura exigindo uma fundamentação literal para que se possa crer no que se diz - o universo da sala de aula é um espaço ficcional emblemático, pois desafia a personagem a rever sua postura impassível diante de fatos cruéis próximos a ponto de atingir uma de suas grandes amigas.

Paulatinamente, Puenzo oferece diversas pistas daquilo que quer dizer, levando seus espectadores a sentirem-se tão incomodados quanto a protagonista em relação à história. O marido esquiva-se incomodamente da simples pergunta sobre a família de sangue da criança; o padre nega-se a revelar o que parece saber sobre a história, mantendo-se tão distante de Alícia quanto a encenação da sua sequencia mostra – interpondo a grade do confessionário entre os dois personagens. O próprio sogro de Alícia serve como arauto de seus questionamentos quando, na sequencia do café da manha declara suas suspeitas em relação ao filho – de que este está rico enquanto o país todo está na lama - essa sequencia termina com um plano de forte impacto plástico em que os cinco personagens do diálogo são enquadrados olhando para diferentes lugares, como se estivesse alheios e isolados uns dos outros.

O filme ainda instila no espectador, de maneira menos direta, a certeza de que a origem de Gaby está nos funestos atos do governo argentino através da própria personagem da criança quando esta canta, repetitivamente, que “no país do não me lembro/ dou três passos e me esqueço”, numa alusão à ‘curta memória’ de quem diz esquecer os fatos de uma história tão próxima ao tempo narrativo. Não seria uma referência ainda mais velada à origem da criança a boneca dada pelo pai a Gaby, que a chama de filha, sendo o brinquedo uma representação da própria menina que foi dada sem escolha e sem história a uma mãe ‘inocente’?

Puenzo constrói uma narrativa sólida em que mesmo o panfletarismo ocasional – só ilustrando: quando o avô diz que ser pobre não é vergonha e ser rico não é honra – condiz com suas pretensões ideológicas. Seu desfecho é justificado pelas intenções de quem faz o filme, mesmo que pareça irreal uma mãe deixar para trás uma criança que tratou por filha nos últimos seis anos

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